sábado, 30 de novembro de 2024

A BAIXADA DE IRAJÁ

Ronaldo Luiz Martins

INTRODUÇÃO

Atualmente a valorização do passado das cidades e de suas múltiplas localidades, é uma característica comum às suas sociedades, que buscam em “instituições de memória", a identificação e preservação de seus bens materiais, das suas histórias documentadas, suas vidas sociais, tradições, culturas e dos registros das chamadas “memórias orais”.   Na Cidade do Rio de Janeiro, entre outras mais destas instituições, em 2010 formou-se, sem identidade jurídica e por adesão voluntária e diletante, o coletivo Instituto Histórico e Geográfico Baixada de Irajá – IHGBI, reunindo pessoas de diversas formações no estudo, pesquisa e divulgação do conhecimento multifário da localidade representada pela região geográfica Baixada de Irajá desta cidade, como especificado em sua denominação.    

O trabalho em apresentação, de autoria de um dos fundadores do IHGBI, Ronaldo Luiz Martins, é a divulgação de grande parte dos conhecimentos obtidos no âmbito de atuação deste coletivo, tendo por objetivo, sem esgotar tudo que se possa ainda relatar, no conceito de “História do Lugar”[1], apresentar uma narrativa quanto a formação e evolução histórica da região que no século XVII era identificada como Freguesia de Nossa Senhora da Apresentação de Irajá, e é hoje representada por 38 bairros.

Inspirado na forma como o professor e jornalista autodidata Capistrano de Abreu[2], em contraponto a clássica abordagem histórica de sua época, produziu a obra Capítulos de História Colonial (1907), parodiado esse título, Capítulos de História da Baixada de Irajá, desenvolvido em modo não acadêmico, objetiva detalhar os mais de quatrocentos anos da Baixada de Irajá, região que no século XVII, foi a maior produtora do açúcar que concorreu para o desenvolvimento da Cidade do Rio de Janeiro, e nas décadas de 1930 a 1960, foi o seu maior parque industrial. 

Tendo como meta abordar o desenvolvimento histórico da  Baixada de Irajá dos anos 1500 a 2000, face ao grande volume de descrições decorrentes, a proposição de  Capítulos de História da Baixada de Irajá tem sua edição em faciculos, abordando a identificação local, este primeiro em edição; os primeiros indígenas ocupantes; a distribuição territorial e ocupação agroindustrial; a produção açucareira; a Freguesia de Irajá; a passagem a economia de sustentação no Ciclo do Ouro; o fim da agroindústria açucareira; evolução no Século XIX; a urbanização e industrialização; crises da primeira metade do Século XX; aspectos culturais e histórico dos anos 1960 a 2000.

Neste primeiro fascículo “O Que é Baixada de Irajá”, é apresentado o recorte geográfico da proposição em seus aspectos de limites geográficos e político administrativos quanto a Cidade do Rio de Janeiro, sobre os quais embasam e referenciam as descrições nos fascículos seguintes.   As descrições político-administrativas são baseadas em diversos informativos da Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro e Governo do Estado do Rio de Janeiro. As descrições geográficas e topográfica, além de consolidadas em diversos informes de institutos geográficos, teses e monografias, são baseadas em pesquisas do autor por processos e ferramentas de Tecnologia de Informação – TI, em geoprocessamento sobre base de imagens digitais de satélite da plataforma Google Earth, realizadas de 2018 a 2023.[3]  Quanto aos dados desta pesquisa é necessário observar que face as limitações dos recursos de disponíveis a sua execução, e a não precisão geodésica das imagens de rastreio, que em atualizações sucessivas se apresentaram em angulares e altitudes diferenciadas em relação  ao plano de visualização, não havendo precisão absoluta, as coordenadas e medidas de extensões e altitudes são de simples referências.

Objetivando a não constante repetição de vocábulos e menor extensão de texto, nas descrições apresentadas são utilizadas as abreviações BI para Baixada de Irajá, mext para metros de extensão e malt para metros de altura.



[1] História do Lugar tem por conceito a tese de produção de conhecimentos locais proposta pelo Professor Doutor Joaquim Justino Moura dos Santos (1935-2024), docente da  Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro – UNIRIO e participante do IHGBI,  em referência ao seu artigo “História do Lugar: um método de ensino e pesquisa para as escolas de nível médio e fundamental” (História, Ciências, Saúde-Manguinhos - Rio de Janeiro, v. 9, n.1, p. 105-125, 2002).

[2] João Capistrano Honório de Abreu (1853-1927) foi um historiador brasileiro. Autodidata, sendo um dos primeiros grandes historiadores do Brasil, produzindo ainda nos campos da etnografia e da linguística. A sua obra é caracterizada por uma rigorosa investigação das fontes e por uma visão crítica dos fatos históricos, sendo que suas pesquisas fazem contraponto à clássica de Francisco Adolfo de Varnhagen. - https://pt.wikipedia.org/wiki/Capistrano_de_Abreu.

[3] O autor, Ronaldo Luiz Martins, é analista de sistema e em 1980, pela Universidade Gama Filho / Gama Datacentro, acompanhou o trabalho do Prof. Dr. Jorge Xavier da Silva (1935-2021) da UFRJ, pioneiro do Geoprocessamento no Brasil. Posteriormente prestou consultoria de Geoprocessamento a prefeituras clientes de aerofotogrametria da Serviços Aéreos Cruzeiro do Sul, e de 1990 a 2000, quando se aposentou, teve atuação na comercialização de sistemas geoprocessamento pela MI Montreal Informática.


O LUGAR BAIXADA DE IRAJÁ

Ao se propor apresentar a história de um lugar, torna-se necessário primeiro que se defina onde é esse lugar e qual é a sua origem. O bloco em apresentação tem esse objetivo: Fazer a definição do lugar “Baixada de Irajá”, aqui referenciado como “BI”. Este, integrante do território do Município do Rio de Janeiro, é mais amplo  quando se destaca por limites de formações geológicas, porém é  também destacado nos limites do seu espaço inserido no desenvolvimento histórico e social de sua cidade, consequente dos momentos e objetivos de sua ocupação sócio econômica, possuindo destaques que, sendo em muito também influentes nas demais regiões, apresentam características particulares.  

Desta região geográfica, com cerca  143 km², extraindo 100 km² referentes às áreas dos bairros de Realengo, Vila Militar associados a Baixada de Campo Grande, a e região do Maranguá, atual bairro de Praça Seca, que teve seu processos de ocupação e desenvolvimento associado a Baixada de  Jacarepaguá, efetivamente 123 km² compõem o espaço histórico da BI, que se localiza ao norte do Município/Cidade do Rio de Janeiro. A BI histórica corresponde em média a 21.700 metros de profundidade leste/oeste da Baía de Guanabara  e 8.540 metros de largura, com extremos geográficos em 22º.93’S - 43º.24’O; 22º.50’S - 43º.14’O; 22º.48’S - 43º.16’O; e 22º.49’S - 43º.25’O, área entre as pontas dos Maciços da Tijuca, Pedra Branca e Gericinó à oeste; o Maciço da Misericórdia à sul; os rios  Pavuna e Meriti, limite municipal, à norte; e a Baía de Guanabara a leste.

A esquerda acima, o mapa “Distancias e Pontos Extremos do Município Cidade do Rio de Janeiro” [Instituto Pereira Passos - Anuário Estatístico da Cidade do Rio de Janeiro 95-99], apresentando as regiões de altitude de 0 a 100 metros, identifica as Baixadas de Irajá, Inhaúma, Jacarepaguá, Guaratiba, Santa Cruz e Bangu (em outras fontes de Campo Grande), sendo em seu recorte ao lado destacado o ponto central da Baixada de Irajá, que é extremada pelo Maciço da  Misericórdia. Em baixo, à esquerda, em imagem de satélite [Google Earth – 2024], em mais escuro, é demarcada a real área geográfica da Baixada de Irajá, considerados as origens dos sedimentos dela formadores.  A direita, em mesma imagem de satélite, a área mais escura destaca a Baixada de Irajá historicamente considerada, excluindo a área do antigo Maraguá, atual bairro de Praça Seca, entre as pontas dos maciços da Tijuca, Pedra Branca e Gericinó; o maciço da Misericórdia; o limite do município nos rios Pavuna e Meriti; e a Baía de Guanabara.    
                                                                                                                                                           Montagens de Ronaldo Luiz Martins sobre  imagens Gloogle Heart. 

A denominação desta baixada como de Irajá é a corruptela portuguesa do tupi-guarani yra-yá, eiraiá ou eirajá, que segundo  Teodoro Sampaio [1] tem por significado “lugar onde brota o mel” ou “Lugar que dá mel”. Em tupi o “Eira” significava tanto mel quanto abelha e “iá”, cheia, abundante. Tem por origem a referência a aldeia taba Tupinambá Eirajá citada por indígena ao pastor francês Jean de Lery [2],  Seria ela uma grande taba de mais de 2.000 habitantes situada na costa de Piraquanopã [3], no litoral esquerdo da Baía de Guanabara, entre as atuais foz do Rio Meriti e a foz do Rio Ramos, acima da chamada Tapera de Inhaúma. 

Da Baía de Guanabara, a Iguaá-Mbara  dos indígenas, para o interior, era ela acessível pelo Para-eirajá, convertido pelos portugueses para Rio Irajá. Estava localizada em um ponto entre os atuais bairros de Irajá, Brás de Pina e Vista Alegre. Pesquisas por geoprocessamento recentemente elaborada por Ronaldo Luiz Martins, no âmbito do coletivo Instituto Histórico e Geográfico da Baixada de Irajá – IHGBI, levam a supor que a Eirajá estava localizada à margem de um remanso do Rio Irajá, tendo como área central o atual Largo do Bicão em Vila da Penha.  Possivelmente a taba Eirajá, em tapera após 1567 pela eliminação da resistência Tamoio a ocupação portuguesa, foi em 1570-1574 por Antônio de França, em sua penetração ao território da BI pelo Rio Irajá, ocupada em apoio a implantação do seu Engenho de Nossa Senhora da Ajuda.

A Baixada de Irajá Histórica, de 1743 a 1890, correspondeu ao território eclesiástico-administrativo da Freguesia de Nossa Senhora da Apresentação de Irajá [4], após dela serem desmembradas as freguesias correspondentes às baixadas de Jacarepaguá, Campo Grande e Inhaúma.  Sendo inicialmente pertencente a Capitania de São Sebastião do Rio de Janeiro, passou seguidamente ao Município da Corte do Império Brasileiro (1834), Distrito Administrativo de Irajá da Prefeitura do Distrito Federal (1892) e dividida em bairros e regiões administrativas ao Estado da Guanabara (1963), e ao Município do Rio de Janeiro (1975). As unidades bairros com que atualmente se encontra dividida, são regiões político-administrativa de conceito espacial puramente urbano que,  sem marcos históricos e sociais bem definidos, não apresentam origens inteiramente próprias, sendo as suas formações sociais e históricas particularmente associadas a região geográfica da qual intrinsecamente são parcelas. 

Atualmente, estando a Cidade do Rio de Janeiro dividida em 163 bairros, a BI contém 38 bairros (23,3%) e duas frações destes, os quais, tendo algumas particularidades de formação, possuem origens históricas comuns. Assim, a despeitos de naturais sentimentos de “bairrismos”, são todos eles integrantes de um mesmo desenvolvimento histórico territorial, que a seguir  é detalhado.   

Vista aérea da região geográfica Baixada de Irajá a norte do Município do Rio de Janeiro. Em primeiro plano é destaque o Maciço da Misericórdia, a ponta do Maciço da Tijuca tendo mais acima a ponta do Maciço da Pedra Branca, e para fundo a do Maciço de Gericinó. Destacam-se os cursos dos rios Pavuna-Meriti e Irajá em desague para a Baía de Guanabara, no litoral frente à Ilha do Governador. 
                                                                        Imagem Google Earth 2024

[1] Teodoro Fernandes Sampaio (1855–1937), engenheiro, geógrafo, escritor e historiador brasileiro, em artigo de cerca de 1910, no Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro - IHGB - apresentou  a tradução do vocábulo tupi-guarani Eiraiá ou Eiraja, como significado de “lugar onde brota o mel”, ou “Lugar que dá mel”.

[2] Jean de Léry (1534-1611),  pastormissionário e escritor francês, em 1558, na sua passagem pela França Antártica, registrou a existência, no Recôncavo da Baía de Guanabara, das aldeias/tabas Tupinambá de Eiraiá; Akaray; Sapopé-ma; Karíók; Uyrá-uasú-oé; Josy-yrasík ou Joeyrasík; Pirakâ-iopã; Itanã; Tarakuirapã; Sara-poy; Keriy; Ku-rumuré; Itaók; Joa-raruã; Takuarusutyba; Okarantín; Nurukuy; Ara-satyva; Ysypotyva, o que relatou em seu livro “Viagem à Terra do Brasil” [tradução de  Sérgio Milliet – Biblioteca do Exército – 1961]

[3] Piraquanopã, conforme apresentado por Maurício de Abreu (1948–2011) em “Geografia Histórica do Rio de Janeiro 1502-1700” [Rio de Janeiro, RJ : Andrea Jakobsson - 2010] é a denominação dada por indígenas ao primitivo litoral (antes de aterros) oeste da Baía de Guanabara, entre o extremo leste do Maciço da Misericórdia e os desagues dos rios Irajá e Mereti. Em tradução livre Piraquanopã significa “peixe que bate na água - a tainha-", dando sentido ser o assim demarcado litoral como sendo a “Costa das Tainhas”, espécie de peixes ainda atualmente presentes no canal entre as ilhas do Governador e do Fundão.

[4] A Freguesia de Nossa Senhora da Apresentação de Irajá, foi  criada em 30 de dezembro de 1644, pelo  Prelado da Capitania Dr. Antonio de Marins Loureiro, e confirmada a 10 de fevereiro de 1647 por alvará do Rei de Portugal.  Foi a terceira freguesia criada na Cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro, e primeira em ambiente rural.  A sua matriz, sede do vicariato, foi estabelecida na capela de pedra e cal de N. S. da Apresentação, dando seu orago a sua denominação. Foi seu primeiro vigário o padre Gaspar da Costa, filho do senhor de engenho homônimo e construtor desta igreja em 1613.  Seu território inicial, além da Baixada de Irajá, abrangia as baixadas de Inhaúma, Campo Grande e Jacarepaguá. Após os desmembramentos das freguesias destas, passou ela ter como território somente esta.     – Nota: Nos Impérios de Portugal e Brasil, em que a Igreja Católica Apostólica Romana era religião oficial de Estado, a administração civil se mesclava com a religiosa, sendo as freguesias distritos sem autonomia política de administração  civil, com foro aos registros de nascimentos (pelos batismos), casamentos, óbitos e jurídicos de paz, incluindo negócios, e até mesmo registros inventariais.   Eram seus administradores padres vigários pagos pelo Estado, que tinham subjetivamente parte de poder social e jurídico em seu território.

 

DIVISÃO POLITICO-ADMINISTRATIVA DA BAIXADA DE IRAJÁ

A Baixada de Irajá Histórica é relacionada a 38 bairros e duas frações de bairros da Cidade do Rio de Janeiro, esta de 1.200 km² de território total e 640 km² de área urbana. Abrangendo a maior parte dos bairros situados ao norte da cidade, ocupa desta 123 km² (19%) do espaço urbano. Pelo censo IBGE de 2023, que aponta a Cidade do Rio de Janeiro com 6.211.223 habitantes em 2.439.321 residências,  a  BI tem desta 1.154.088 habitantes (18,6%), em 540.313 residências (22,2%). Em 1961, na formação do Estado da Guanabara, a população da BI defendeu sua autonomia em quatro municipio ou um único a ela correspondente [1],  e se assim fosse, atualmente seria a BI o 14° município brasileiro em população, após Guarulhos (1.291.771 hab.) e antes de Campinas (1.139.047 hab.).

Os bairros da BI são a seguir apresentados com referências ao mapa abaixo, em ordem alfabética e com suas extensões em km²:

01  - Acari (1,61);

02  -Anchieta (4,36);

03  - Barros Filho (1,73);

04  - Bento Ribeiro  (3,00);

05  - Brás de Pina (3,53);

06  - Campinho (0,99);

07  - Campo dos Afonsos (3,26);

08  - Coelho Neto (2,52);

09  - Colégio (2,27);

10  - Cordovil (3,86);

11  - Costa Barros (1,82);

12  - Deodoro (4,65);

13  - Guadalupe (3,83);

14  - Honório Gurgel (1,38);  

15  - Irajá (7,50);

16  - Jardim América (1,98);

17  -  Jardim Sulacap (7,89);

18  - Madureira (3,80);

19  - Marechal Hermes (3,90);

20  - Olaria (3,70);

21  -  Oswaldo Cruz (2,10);

22  -  Parada de Lucas (2,20);

23  - Parque Anchieta (3,92);

24  - Parque Columbia (1,52);

25  - Pavuna (8,33);

26  - Penha (5,83);

27  - Penha Circular (4,64);

28  - Ramos (2,80);

29  - Ricardo de Albuquerque (2,12);

30  - Rocha Miranda (2,89);

31  - Turiacu (1,26);

32  - Vaz Lobo (1,10);

33  - Vicente Carvalho [2] (1,84);

34  - Viqário Geral (3,40);

35  - Vila da Penha (1,44);

36  - Vila Kosmos (1,52);

37  - Vila Valqueire (4,24);

38  - Vista Alegre (0,52);

18A – Cascadura - fração (0,95);

28A – Maré - fração (0,75);

Recorte do mapa Bairros do Atlas do Município do Rio de Janeiro - Instituto Pereira Passos -  1999

               Os bairros de maior território são: Pavuna - 8,33 km²; Jardim Sulacap - 7,89 km²; Irajá - 7,50 km²; Penha - 5,83 km²;  Deodoro - 4,65 km², e os de menores territórios Vista Alegre - 0,52 km²; Campinho - 0,99 km²; Vaz Lobo - 1,10 km², Turiaçu - 1,26 km² e Honório Gurgel - 1,38 km². 

Os de maior população (censo 2023) são: Pavuna - 95.337 hab.; Irajá - 85.906 hab.; Penha - 58.516 hab.; Anchieta - 52.095 hab.; Olaria - 51.222 hab.; e os de menor população: Campo dos Afonsos - 2.106 hab.; Vista Alegre - 7.059 hab.; Parque Columbia - 8.222 hab.; Campinho - 8.579 hab.; e parte de Cascadura - 8.965 hab.

As maiores densidades populacionais são: parte da Maré - 194,89 hab./km²; Acari - 184,30 hab./km²; Vila da Penha - 152,43 hab./km²; Costa Barros - 144,35 hab./km²; Oswaldo Cruz - 142,83 hab./km², e os de menor densidade: Campo dos Afonsos - 6,46 hab./km²; Jardim Sulacap - 18,25 hab./km²; Deodoro 22,37 hab./km²; Parque Columbia - 54,09 hab./km²; e Parque Anchieta - 55,70 hab./km².

Os bairros com maior número de residências: Pavuna - 40.928; Irajá - 40.582; Penha - 27.538; Olaria - 23.715; Brás de Pina - 22.367; e de menor número: Campo dos Afonsos – 761; Vista Alegre - 3.239; Parque Columbia - 3.580; Campinho - 4.163 e Deodoro - 4.265. A média de habitantes por residência é de 2,14 pessoas.

Vigente em 2023 (Governo 2020-2024), para efeito de supervisão a Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro agrupou os bairros da BI em 10  RA - Regiões Administrativas:  X RA Ramos (Olaria e Ramos); XI RA Penha (Brás de Pina, Penha e Penha Circular); XIV RA Irajá (Colégio, Irajá, Vicente Carvalho, Vila da Penha, Vila Kosmos e Vista Alegre);  XV RA Madureira (Bento Ribeiro, Campinho, Cascadura (1/3), Honório Gurgel, Madureira, Marechal Hermes, Oswaldo Cruz, Rocha Miranda, Turiaçu e Vaz Lobo); XVI RA Jacarepaguá (Vila Valqueire); XXII RA Anchieta (Anchieta, Guadalupe, Ricardo de Albuquerque); XXV RA Pavuna  (Acari, Barros Filho, Coelho Neto, Costa Barros, Parque Colúmbia e Pavuna); XXX RA Maré (Maré (1/5); XXXI RA Vigário Geral (Cordovil, Jardim América, Parada de Lucas e Vigário Geral); e XXXIII RA Realengo (Campo dos Afonsos, Deodoro e Jardim Sulacap).  A área da Baixada de Irajá está também inserida na Subprefeitura Norte.

 Montagem de Ronaldo Luiz Martins em recorte do mapa Bairros do Atlas do Município do Rio de Janeiro 
-   Instituto Pereira Passos -  1999.

Os bairros da BI são também referenciados, com base em sua posição geográfica para o centro da Cidade, como Zona Norte. Ainda, em referência aos eixos ferroviários e rodoviários de acessos, são ainda referenciados como subúrbios da Central - Linha Centro; da Linha Auxiliar - Ramal Belford Roxo; da Leopoldina - Ramal Caxias-Saracuruna; da Rio d'Ouro - Linha 2 Metrô; da Avenida Brasil e outros.   Em passado a BI foi também referenciada como Freguesia Rural, Distrito Rural,  Zona Rural e parte do Sertão Carioca.

Montagem de Ronaldo Luiz Martins - mapa Bairros do Atlas do Município do Rio de Janeiro - Instituto Pereira Passos – 1999

            A divisão político-administrativa da BI em bairros evoluiu de sucessivos desmembramentos do primitivo território eclesiastico-civil da Freguesia de Nossa Senhora da Apresentação, estabelecido em  1644/1647,  cerca de 50 anos após o início da ocupação rural das baixadas interiores ao Termo (espaço territorial)  da então Cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro.  Inicialmente tinha ele por território toda a região à direita do rio Pavuna-Meriti  entre as terras da Companhia de Jesus nos engenhos da Tapera de Inhaúma e os seus Campos de Santa Cruz. Deste território, com os desmembramentos das Freguesias de Nossa Senhora do Loreto de Jacarepaguá em 1665;  da Freguesia de Nossa Senhora do Desterro de Campo Grande em 1673, e da Freguesia de São Tiago de Inhaúma em 1763, a Freguesia de Irajá passou ter por território toda a BI, tendo nela como núcleos pré urbanos os arrais da Freguesia, da Pedreira (antes da Encruzilhada e depois da Estação de Irajá), do Porto da Pavuna, da Penha  e do Campinho.  Destas primeiras centralidades localizadas em estradas oriunda de caminhos ‘peabiru[3] indígenas, ao longo destes foram se formando novas localidades,  referências de futuros bairros. 




FREGUESIA DE IRAJÁ EM 1760
Região / Arraiais de  origem: Amarelo: 1 - Freguesia e 2 – Pedreira (Estação);  Verde: 3 – Pavuna ;  Lilás: 4 – Campinho;  Azul: 5 – Penha.   ----  Estradas-caminhos :[4]    A  –  de Jacarepaguá  (Peabiru Yacare-upa-guá);  B – de Pavuna (Peabiru Upaba-una); C – de Itaguaí (Peabiru Ita-agoa-hy); D – para Inhaúma (Peabiru Api-e-cum). --- Rios:  a – Irajá / b – Pavuna Mereti / c – Acari;    d – das Pedras / e – Ramos.

         Na segunda metade do século XIX, com a BI cortada pelas ferrovias D. Pedro II (Central do Brasil, atual Ramal Deodoro) em 1858, Rio D’Ouro (atual Linha 2 do Metrô Rio) em 1883, Melhoramentos do Brasil (Linha Auxiliar, atual Ramal de Belford Roxo) em 1892 e Northern / Leopoldina (atual Ramal de Saracuruna) em 1898, as suas estações ferroviárias passaram a nominar os futuros bairros. Após 1975 novos bairros foram criados com desmembramentos  e redefinição de limites de bairros já  existentes.  

BI ESTAÇÕES FERROVIÁRIAS APÓS 1900
 EF Central do Brasil: A – Cascadura  /  B- Madureira / C – Oswaldo Cruz / D – Bento Ribeiro / E -  Marechal Hermes /   F – Deodoro      /  G – Ricardo Albuquerque /  H – Anchieta.. <>  Linha Auxiliar:   I  – Magno  J – Turiaçu / K – Rocha Miranda /  L – Honório Gurgel     / M – Costa Barros   <>  EF Rio d’Ouro N – Vicente Carvalho / O – Irajá / P – Colégio /  Q – Coelho Neto  R – Acari  /  S – Pavuna     <> EF Leopoldina T – Ramos U – Olaria / V – Penha / W – Brás de Pina  /  X – Cordovil / Y – Parada de Lucas  /  Z – Vigário Geral

             Proclamada a Republica e criado o Distrito Federal em 1892, na nova politica-administrativa deste, a Freguesia de Irajá passou a constituir o 10°, depois 20°, Distrito Municipal de Irajá, sendo em 1922 dele desmenbrado o 27° Distrito Municipal da Penha, em 1926 o 24° Distrito Municipal de Madureira, e parte para a constituição do Distrito Municipal de Realengo. Nos anos 1950, do Distrito Municipal da Penha foi desmembrado o Distrito Municipal de Ramos. 

DISTRITOS ADMINISTRATIVOS NA BI EM 1960  
Demarcação aprocimada[5] -- Verde – Distrito de Irajá – após desmembramentos; Azul – Distrito da Penha – Desmenbrado de Irajá; Vermelho – Distrito de Madureira – Desmembrado de Irajá; Amarelo – Distrito de Ramos – Desmembrado da Penha; Cinza – Distrito de Realengo – Parte desmebra de Madureira; Branco – Distrito de Jacarepaguá – Com futuros bairros da BI.

As espacialidades e particularidades atuais dos bairros da BI, por seus núcleos de evolução, serão mais adiante comentados nos fascículos sobre os bairros da Grande Irajá, Grande Pavuna, Grande Campinho e Grande Penha, proximos “Capítulos de História da Baixada  de Irajá”.

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                Irajá já existia como centralidade muito antes das ferrovias e das reformas urbanas na Cidade do Rio de Janeiro:

1711 – “Roteiro do caminho novo da cidade do Rio de Janeiro para as Minas / Partindo da cidade do Rio de Janeiro  por terra com gente carregada, e marchando a paulista, a primeira jornada vai a Irajá [...]”  - Citação de ANTONIL Andre João em Cultura e Opulência do Brasil Por Suas Drogas e Minas.

1816 -  "De Inhaúma fomos dormir em Irajá, outra parochia ainda mais importante, pois que em raio perto de duas léguas, compreende uma população de cerca de quatro mil e seiscentos comungantes e trezentos c cincoenta fogos.  [...] – Citação de  SAINT-HILAIRE, Auguste em Viagens pelas Províncias de Rio de Janeiro e Minas Gerais



[1]  O movimento municipalista que pleiteou a criação de municípios no Estado da Guanabara é abaixo detalhado, no capítulo Marcos HIistóricos da Baixada de Irajá. 

[2] Erro histórico é o topônimo Vicente de Carvalho atribuído ao bairro, estação de Metrô e vias da Baixada de Irajá , em atribuição ao homônimo poeta santista (São Paulo) que nenhuma relação local possui, senão busto indevidamente ali implantado. Em correção também histórica ao fazendeiro que cedeu terras a passagem da Estrada Ferro Rio d’Ouro,     e homenageado com denominação de estação, em todo Capítulos de História da Baixada de Irajá, esses serão citados como Vicente Carvalho, sem o “de”. (Vide citações de Vieira Fazenda em artigos diversos em revistas do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro – IHGB).

[3] Peabiru, no sentido de ser “por onde se anda para”, era a denominação dada pelos indígenas aos caminhos / trilhas por eles aberto entre as suas aldeias/tabas e lugares de importância.  Tapera era a referência indígena as aldeias/tabas abandonadas ou destruídas.

[4] Na ausência total de fonte documental, quer seja em portugues ou tupi, que identifiquem os primitivos caminhos indígenas abertos no território de  abrangência do presente trabalho, para ser possível eles serem referenciados, o autor, em suas pesquisas, na medida que geograficamente identificou seus pontos de inicio, extensão de percursos e destino, considerando o vocábulo tupi-guarani "peabiru" (nota acima)”, a eles atribuiu denominações de mesmo idioma relacionadas às localidades de seus inícios, destino ou percurso. 

[5] A demarcação dos distritos administrativos da Prefeitura do Distrito Federal na Baixada de Irajá, inconsistentes em diversas documentações obtidas, são apresentadas no mapa de forma aproximada, tendo por referências anotações do autor obtidas em 1961, quando das negociações políticas dos limites de municípios propostos ao Estado da Guanabara, campanha municipalista da qual participou. 


MARCOS HISTÓRICOS  DA BAIXADA DE IRAJÁ

            Em 450 anos de conhecida história,  a BI possui, por fatos, eventos, organizações e edificações, relevantes marcos. Na atualidade muitos deles foram apagados pela expansão urbana, por extinções, destruições, e esquecimentos, e em grande conta, muitos pela desatenção do poder público e do preconceito ‘suburbano’, destacado pelo geólogo Nelson da Nobrega Fernandes em seu trabalho “O Rapto Ideológico da Categoria Subúrbio”. Alguns destes, nos núcleos bases do seu desenvolvimento, são destaques relevantes.  

  Na Freguesia de Irajá, em simbologia a ocupação colonial dos atualmente ‘suburbios’, está presente a Igreja de Nossa Senhora da Apresentação, originária de capela, sua atual nave,  de pedra e cal construída em 1613. Em estilo barroco jesuítico, em 1644 tornou-se Matriz da terceira Freguesia da cidade do Rio de Janeiro, e dela a sua primeira rural. Decana e raiz de todas as atuais paróquias católicas a norte e oeste da cidade, tombada ao Patrimônio Histórico, demolidas as precedentes de São Sebastião no arrasado Morro do Castelo,  e a primitiva de N. S. da Candelária (a atual é substituta), é ela a mais antiga Igreja Matriz da Cidade.  São destaques ainda o conhecido Cemitério de Irajá, originário da Irmandade do Santíssimo Sacramento desta Igreja, aberto em cerca 1700; e a Praça N. S. Apresentação, onde em cerca de 1625 já existia negociação de açúcar.

Igreja de N. S. da Apresntação em 1937                                         Foto revista Rio Ilustrado

                Na Estação de Irajá, primitivo ponto de jornada do Arraial da Encruzilhada e Parada Pedreira, decorrente da necessidade de defesa da retaguarda da cidade observada nas invasões francesas de 1710-1711, sobre a colina no interior da atual sede da XIV RA, existiu, de 1715 a 1825, a fortificação Bateria de Irajá, com dois canhões em murrada  de  taipa e faxina. Destruída em cerca de 1878 por extração de pedra para as obras do Sistema de Abastecimento de Água da Cidade, até 1965 dela restavam casas matas de pedra e os seus dois canhões, largados ao chão sem seus reparos, que de forma desconhecida desapareceram. Atualmente, sobre seus últimos vestígios, está nela instalado um grupo religioso evangélico dando ali a denominação de “Monte Irajá - Escada De Jacó”.  

Construído em 1879 o Sistema Rio d’Ouro de Abastecimento de Água, suas adutora de ferro fundido, tubos de 80 cm de fabricação inglesa, passaram na Estação pelo corredor então chamado do Encanamento[1], onde também foram instaladas caixas de pedra com válvulas de pressão. Estas adutoras foram substituídas em 1975 por tubos de aço, constituindo o denominado Sistema Acari, sendo na passagem pela Estação de Irajá enterradas ao meio do corredor. Deste primitivo sistema de adutora, na hoje urbana Rua do Encanamento, restam caixas de pedras e tubulações, infelizmente, por serem de cunho federal, ainda não protegidos patrimonialmente pelo IPHAN. 

Também em 1878, passando pela Estação de Irajá, foi construída a Estrada de Ferro Rio d’Ouro, sendo ali instalada a sua “Parada Pedreira”, plataforma de  embarque de materiais, principalmente pedra de cantaria, para as obras do citado Sistema Rio d’Ouro de Abastecimento de Água.  Após diversas evoluções, em 1929 essa plataforma foi substituída por prédio, já então como Estação de Irajá.  Desativada a EF Rio d’Ouro, em cerca de 1976,  o prédio da estação foi demolido, para, em 1981-1998, ali passando a Linha 2 do Metrô Rio, ser pouco antes dela, aberta a atual estação metropolitana de Irajá.

Canhões da Bateria de Irajá em 1960
Imagem de montagem digital formada por memória de Ronaldo Luiz Martins, que os conheceu

Relíquias das adutoras Rio d’Ouro na atual Rua do Encanamento em 2024
                                                                                                                Imagem Google Earth Street View 2024

Estação de Irajá da Rio d’Ouro, ramal da EF Central do Brasil – 1930
                                                                                          Foto Valdemar Walbilla para o jornal Correio da Manhã


                Na região de Campinho, local do primitivo ponto de jornada e Arraial do Campinho no Caminho dos Jesuítas, depois Estrada Real  de Santa Cruz, à margem desta, por ordem do Imperador D. Pedro I, em 1821 foi erguido o Forte Nossa Senhora da Glória, fortificação de nove canhões em defesa da retaguarda de sua Corte.  Em 1831 desarmado como fortificação, em 1852 suas instalações passaram a constituir o Laboratório Pirotécnico do Exército, que nelas permaneceu até 1902. Passando a abrigar quarteis militares do Exército, sediou sucessivamente unidades como o Regimento Moto Mecanizado; o 1° Grupo  de Artilharia de Dorso;  o Núcleo da Companhia de Comunicações da Divisão Blindada; e em 1972 o 15° RCMec – Regimento de Cavalaria Mecanizada, esse em 2000 transferido para a Vila Militar.  ´Tendo anteriormente sido destes quartéis desmembrados os terrenos que, em 1924, foi instalada a estação de Bombeiros de Campinho, atual 8° Grupamento de Bombeiros Militar, em 2005 toda área do antigo forte foi permutada pelo Exército com empresa imobiliária, que vendeu parte à construção de um supermercado.  Em 2008, frente a proposição de tombamento de toda área pelo  Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional - IPHAN, em acordo celebrado com a comunidade representada por associações comerciais, a empresa se comprometeu a preservação de 20% desta, e a sua passagem a Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro, o que até o momento não ocorreu frente a embargos jurídicos ao acordo.  Em 2007 o IPHAN  realizou pesquisas arqueológicas na área, encontrando vários elementos do antigo forte.  Em 2020, liberada pelo Governo Federal 2018-2023 e financiada pela Caixa Econômica, em grande área para Rua Maria Lopes, onde antes era hotel de trânsito e apartamentos residenciais de militares, a empresa Tenda construiu os condomínios residenciais Recanto das Flores I e II, já totalmente ocupados.

                Ao lado do antigo forte ainda se encontra a Igreja de N. S. da Conceição, originária de antigo oratório do século XVIII, de mesmo oráculo, servindo as orações de tropeiros e carroceiros que pousavam no Campinho. Incendiado o primeiro templo em cerca de 1860, foi ele reconstruído pelo fazendeiro Domingos Lopes, que aos seus fundos também restaurou antigo cemitério, área ainda hoje sem edificações. Sendo novamente incendiado vinte anos após, foi novamente restaurado por  custeio do Imperador D. Pedro II, do qual em seu interior guarda ainda o Brasão Imperial.  Mais adiante, no alargado do Campinho, existiu o prédio em sobrado da hospedaria em que nos anos finais do século XVIII, passando em serviço de guarda as comitivas de transporte de ouro, por várias vezes nela se hospedou o Alferes  Joaquim da Silva Xavier, o Tiadentes.  Ainda existente bem conservado até os anos 1940, totalmente descaracterizados seus vestígios em um posto de gasolina, desapareceram quando este foi demolifo para a passagem do corredor BRT Transcarioca e a construção de seu Mergulhão Clara  Nunes, obras que por suas características, quase nada conserva do Largo do Campinho.  

Forte N. S. da Glória em 1821 -   Desenho de Maria Graham


Hospedagem do Largo do Campinho, em 1930    -    Desenho da Magalhães Correa

Igreja de N. S. da Conceição em 1937  - Foto Rio Ilustrado 1937

                  Na região da Penha, onde na chamada Fazenda Grande formou-se o quarto arraial da BI, sobre grande rochedo presente está a Igreja de Nossa Senhora da Penha, atualmente Basílica Menor, e  o seu acesso por magnífica escadaria de degraus talhados em rocha.  Ela é originária de capela de taipa e faxina em louvor a N. S. do Rosário, erguida em 1635 pelo cristão-novo Baltazar de Abreu Cardoso, em seu partido de cana nas terras da Fazenda Grande e Engenho de N. S. da Ajuda, do também cristão-novo  Jorge de Souza Coutinho, tendo por motivação reunir em seu entorno os senhores de engenhos, partideiros e familiares em festejos pelo fim da colheita e produção de açúcar anual [2], embora a tradição católica apresente por motivação ter sido em graça de milagre ao livramento de morte do seu construtor, no afastamento de uma cobra venenosa.    Em 1728, com a doação, por parte dos herdeiros do capitão Baltazar de Abreu Cardoso, das terras do entorno do penedo, foi criada a Venerável Irmandade de Nossa Senhora da Penha de França do Irajá, e por ação desta, o topo do penedo foi aplainado e montada longa escadaria de madeira, sendo sobre ele construído o primeiro templo igreja, essa ainda em orago de N. S. do Rosário representado a da Penha de França, com frente para a escadaria.   

           Em 1818-1819, decorrente da promessa de uma devota Maria Barbosa, substituindo a de madeira, foi talhada a escadaria de pedra, e em 1872, já tendendo a ruína a primeira, foi construída nova igreja, sem torre, com frente para o mar e pátio expandido sobre a rocha.  Em sucessivas evoluções, no pátio foi aberto um nível mais baixo e sob o mais alto aberta uma catacumba. Em 1890 a Igreja já possuía uma torre.   Em nova evolução, em 1903, já então muito conhecida como Igreja da Penha, chegou a sua volumetria atual em estilo Eclético, duas torres com relógios, pátio gradeado e escadaria retificada e alargada.  Em 1941, em marco da abertura da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC), no local da primitiva capela de 1635, foi erguido um grande crucifixo com imagem de Cristo em bronze, que atualmente, vandalizado sem a imagem e placa comemorativa, se encontra em estado de abandono. Associado a Igreja no rochedo, originaria da motivação a sua criação no século XVII, a chamada Festa da Penha, de cerca de 1850 ao final da década de 1970, foi um dos mais movimentados eventos populares da Cidade do Rio de Janeiro.

Primitiva capela de N.S. do Rosário – 1635.  - Proposição em montagem digital de Ronaldo Luiz Martins


Igreja da Penha sem torre - Romeiros chegam à Festa da Penha em vagão da Rio d’Ouro. -1890. 
                                                                                                                       Cartão postal em domínio público

Igreja da Penha com uma torre – 1894 - Desenho de Pinheiro em Arquivo Geral da Cidade do Rio de Janeiro - AGCRJ


                                            Igreja da Penha e  o  Crucifixo   marco    inalgural da Pontifícia Universidade Católica PUC/RJ – 1941                                              Cartão postal em domínio público

Ainda na Penha, durante cerca de 70 anos foi destaque o parque industrial da S. A. Cortume Carioca [3]. Originado de um pequeno curtume do final do Século XIX associado ao matadouro próximo ao Porto de Maria Angu, fundado em 11 de junho de 1920, na década de 1930 foi o maior parque industrial da América do Sul, e nas décadas de 1940 a 1970 dominava 70% do mercado de couro do Brasil, que em grande quantidade processado em sapatos era exportando. O Cortume Carioca, com a sua unidade Carioca Química, em quatro quarteirões ocupava 2.700 m², cercados de fileiras de palmeiras imperiais. Nos anos seguintes, vendendo 780 m² de seus terrenos, grandes incêndios na unidade química ameaçando sua periferia, questões com seus entornos por mau cheiro, poluição ambiental, e a não modernização dos seus sistemas de produção e equipamentos, perdendo aceleradamente seu mercado, o Cortume Carioca gradativamente passou ao processo de falência.  Em 1990 encerrou suas atividades deixando abandonado todo o parque industrial, que após a sua definitiva falência em 1998, na década de 2000 teve seus prédios demolidos para a construção de condomínios residenciais e templos religiosos, dele restando até o momento desta publicação, na Rua Quito, suas palmeiras, o seu prédio administrativo, e na Rua Couto, esperando ação de tombamento histórico, o terreno de 345 m² de suas primeiras instalações com a sua chaminé fabril, construção por Lei imune a demolição.


Vista aérea do parque industrial da S.A. Cortume Carioca – 1975 -  Acervo S.A Cortume Carioca


Prédio administrativo da divisão Carioca Química – 1980 -  Acervo S.A Cortume Carioca


Palmeiras imperiais em frente ao prédio da administração da S.A. Curtume Carioca – 2024  -  imagem Google Earth Street View


Marco comercial da BI e polo inicial do desenvolvimento mercantil do atual bairro a quem consolidou o nome, o Mercado Municipal de Madureira teve por origem a feira de produtos hortifrutigranjeiros e cereais formada, a partir de 1890, junto aos armazéns da Estação Inharajá (depois Magno, atual Mercadão), da Estrada de Ferro Melhoramentos do Brasil (depois Linha Auxiliar, atual Ramal de Belford Roxo), que a partir 1910 passou a receber grande volume de produtos de lavradores com hortas no Corredor de Torres de Transmissão Elétrica da Light, este paralelo a essa ferrovia.  Com a grande movimentação de mercadoria passantes sem créditos municipais, em 1914 o Prefeito Bento Ribeiro estabeleceu tornar a feira livre em Mercado Municipal, inicialmente alamedas em chão de terra a céu aberto e demarcação de box, situadas à margem da ferrovia e da então Estrada Marechal Rangel, atual Av. Ministro Edgar Romero.  Em 1916, por ação do político local e intendente Manoel Machado, recebendo alguns boxes cobertos, o mercado foi transferido para a margem esquerda da ferrovia, frente ao largo de Madureira, local onde permaneceu até a sua extinção.   Em 1929 nele foi construído um pavilhão central, sendo em 1939 ampliado com maior número de boxes, quando diversificando amplamente as mercadorias em comercialização varejista e atacado, em interação de exportação  e importação com o Mercado Municipal da Praça XV e Comerciantes da Rua Acre, tornou-se o maior distribuidor de mercadorias das zonas norte e oeste e hortifrutigranjeiro para a Zona Sul.

Recebendo em 1948 um pavilhão administrativo comercial em seu pórtico, em 1959, ameaçado de demolição por obras urbanas em Madureira, seus negociantes e lavradores se transferiram ao por eles financiado Entreposto Mercado do Rio de Janeiro – Mercadão de Madureira. Extinto como Mercado Municipal em 1964, suas instalações desde 1967 abrigam a sede e quadra do Grêmio Recreativo Escola de Samba Império Serrano. Inaugurado em 1959, como continuidade privada do Mercado Municipal, o Mercadão de Madureira, reconstruído depois de violento incêndio em 2000, com 550 lojas de diversificado comércio, atualmente registra um movimento médio diário 80.000 mil consumidores, em ambiente fechado com circulação ecologica de ar e aproveitamento hidráulico de chuvas.

Mercado Municipal de Madureira -1937  -   Revista Rio Ilustrado 

GRES Império Serrano - antigo Mercado Municipal de Madureira – 2020 -  Imagem Google Earth Street View


Entreposto Mercado do Rio de Janeiro - Mercadão de Madureira    -     Imagem Google Earth Street View


Marco mais recente da BI e de seus bairros ao longo do Ramal Ferroviário Belford Roxo, o Parque Madureira, espaço municipal de lazer, esporte e cultura, se expande por  4 km pelos bairros de Madureira, Turiassu, Rocha Miranda, Honório Gurgel e Guadalupe-Barros Filho. Teve por objeto o aproveitamento de grande faixa de terreno de 100 m de largura e cerca 6 km de extensão do Corredor de Torres e Linhas Transmissão Elétrica de concessão a empresa Light, que por modernização e compactação do sistema, as devolveu ao Governo Federal, que as repassou ao domínio da Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro. 

Este Corredor de Torres e Linhas de Transmissão Elétrica, aberto em 1910 pela então Rio de Janeiro Tramway, Light and Power Company, para fornecimento de energia elétrica de sua  hidroelétrica Usina de Fontes ao serviço de força e luz do Distrito Federal, se extende da cidade do Pirai ao atual bairro  do Catumbi na subestação Frei Caneca. Em sua passagem pela BI, de Pavuna a Cascadura, em terrenos federais de 150 m de largura onde não poderia haver construções fixas, o governo concedeu graciosamente em comodato cerca de 150 lotes a migrantes portugueses lavradores, em obrigação de lavouras de hortifrutigranjeiros.  A partir de então, com as altas  produções obtidas, estas encaminhadas a comercialização junto a estação de Magno, como acima já observado, muito influíram, na criação do Mercado Municipal.

Proposto em 1998, quando a produção agrícola no redor já decaia e a Light anunciava  seu programa de modernização e compactação do sistema de transmissão, o Parque Madureira, contando com diversos equipamentos públicos, como arenas de espetáculos, teatros, unidade de saúde, centros de tecnologias, pistas de skate e piscinas pública, foi aberto em 2012 no trecho Madureira – Rocha Miranda e, com obras paralisada de 2018 a 2020,  em 2024 chegou ao bairro de Guadalupe, sendo  previsto, vencendo a travessia do Rio Acari, alcançar o limite do município na Pavuna. 

Corredor de Torres de Transmissão eletrica e lavouras hortifrutigranjeiras – 1990 -   Acervo Ronaldo Luiz Martins
                
   
Vista aérea do Parque Madureira – 2024  - Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro

Marco de mobilidade urbana, além de quatro sistemas ferroviários, em mesmo percurso do antigo sistema de bondes extinto em 1965, a BI conta com os sistemas de ônibus articulados em via segregada Corredor  BRT Transcarioca, com 21 estações, servindo aos bairros de Campinho, Madureira, Vaz Lobo, Vicente Carvalho, Vila Kosmo, Vila da Penha, Penha Circular, Penha, Olaria, Ramos e Marre; e o Corredor BRT Transbrasil, com 12 estações servindo aos bairros de Deodoro, Guadalupe, Barros Filho, Coelho Neto, Irajá, Parada de Lucas, Cordovil, Penha Circular, Penha, Olaria e Ramos.

Estação BRT Vicente Carvalho com integração a estação homônima da Linha 2 do Metrô Rio. 
 Foto Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro.

Ônibus articulado dos Corredores BRT Transcarioca, Transbrasil, Transoeste e Transolímpico -   oto Julio Barbosa

Terminal Deodoro de integração dos corredores BRT Transbrasil – Transolipica 
 Foto Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro


Não realizado, seria ainda marco histórico a proposição de emancipação político administrativa da BI, com a criação dos municípios de Irajá, Madureira, Penha  e Ramos, ou um único município com a denominação de Madureira ou Irajá.   Consequente da transferência do Distrito Federal para Brasília, criado em 1960 o Estado da Guanabara, por igualdade aos demais Estados, deveria ser formado por municípios, emancipação prevista na Constituição de 1946 a distritos administrativos.  Sendo o antigo município do Distrito Federal dividido em Distritos, destes os que na época possuíam grandes populações e capacidade tributária, iniciaram campanhas municipalistas. Na BI, os grupos políticos dos distritos em seu território apresentaram à Assembleia Constituinte do Estado, a emancipação dos municípios de Irajá, maior parque industrial da época, Madureira, segunda maior receita comercial do DF, Penha e Ramos, com grandes receitas comerciais e industriais.  Por forte articulação política do então Governador do Estado contra as divisões municipais, a Assembleia Constituinte estabeleceu a realização de um plebiscito sobre os futuros municípios.[4]  Realizado em  21 de abril de 1963, com quase nenhuma divulgação as populações dos propostos municipios e alta abstenção, realizou-se o presbicito dando vitória a não divisão.  Frustada a campanha municipalista, não possuindo bairros brazões de armas oficiais, a titulo de compensação os brasões de armas projetados aos propostos, passaram a ilustrar paredes das criadas Regiões Administrativas a eles correspondentes, onde ainda poucos se conservam.       


     

      
 Brasões de Armas dos propostos municípios de Irajá. Madureira, Penha e Ramos ainda presentes respectivamente nas sedes das Regiões Administrativas XIV, XV, X e XI da Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro.    =     Acervo Ronaldo Luiz Martins


Proxima postagem:  Fasciculo 2 “GEOLOGIA DA BAIXADA DE IRAJÁ”



[1] A Rua do Encanamento, como sempre foi conhecida e oficialmente reconhecida pela Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro, erradamente é apresentada em diversos mapas, inclusive em Google Earth, como Rua do Encantamento, sendo essa a denominação da rua lateral a  praça na esquina da Rua Barroso Pereira.  A denominação de Encantamento surge por uma placa nela colocada por moradores locais que subjetivamente procuram esconder a fama passada de rua de namoros avançados, encontros clandestinos, suicídios e assassinatos.   A praça acima citada também a se encontra errada em mapas como 27 de Agosto, sendo essa a denominação da praça na Rua Marquês de Aracati, que nestes mesmos mapas e citada como Praça Mato Grosso, denominação nunca antes existente

[2] Ocorrentes na BI nos meses de novembro dos séculos XVII e XVIII,  os festejos pelos fins de colheita e produção de açúcar que ocorriam de abril a outubro, em sua maioria promovidas por cristãos novos, possivelmente tinham correspondência a tradição judaica da Festa das Cabanas  (Sucot em hebraico), sendo tambem aos cristão velhos referentes as festas portuguesas de fim das colheitas de uva, azeitona, e outros gêneros.  Em ambas tradições era representativa a Fé em agradecimento a Deus pelos bons frutos da terra obtidos.

[[3] O autor em 1982 foi gerente do Centro de Processamento de Dados da S. A. Cortume Carioca.

[4] O autor em 1960-1963 participou ativamente do movimento pela criação do Município de Irajá, do qual assistiu e colaborou na proposição de seu brasão de armas e bandeira,  sendo observador direto dos relatos que apresenta. .




ANEXO  - CENSO 2023

MUNICIPIO / CIDADE DO RIO DE JANEIRO

Área Km²

População

Pop / Km²

Residências

Pop / Resid.

Município

1.200,329

6.211.223

5.175

540.313

2,91

Área urbana

517,612

9.699

2,13

 

BAIXADA DE IRAJÁ

Área Km²

População

Pop / Km²

Residências

Pop / Resid

Geográfica

143

1.230.328

8.604

575.862

2,13

Histórica

123

1.154.088

9.383

540.313

2,14

 

BAIRROS DA BAIXADA DE IRAJÁ HISTÓRICA

Bairro

Área Km²

População

Pop / Km²

Residências

Pop / Resid

Acari

1,61

29.673

18.430

11.409

2,60

Anchieta

4,36

52.095

11.948

21.905

2,38

Barros Filho

1,73

20.444

11.8,17

8.630

2,37

Bento Ribeiro

3,00

37.306

12.435

17.937

2,08

Brás de Pina

3,53

45.048

12.761

22.367

2,01

Campinho

0,99

8.579

8.579

4.163

2,06

Campo dos Afonsos

3,26

2.106

6.460

761

2,77

Coelho Neto

2,52

26.780

10.627

12.671

2,11

Colégio

2,27

26.840

11.824

12.014

2,23

Cordovil

3,86

34.668

8.981

16.720

2,07

Costa Barros

1,82

26.272

14.435

11.010

2,39

Deodoro

4,65

10.402

2.237

4.265

2,44

 Guadalupe

3,83

41.088

10.728

18.596

2,21

Honório Gurgel

1,38

18.213

13.198

8.343

2,18

Irajá

7,50

85.906

11.454

40.582

2,12

Jardim América

1,98

20.687

10.448

9.988

2,07

Jardim Sulacap

7,89

14.396

1.825

6.389

2,25

Madureira

3,80

39.712

10.451

19.948

1,99

Marechal Hermes

3,90

41.507

10.643

19.311

2,15

Olaria

3,70

51.222

13.844

23.715

2,16

Oswaldo Cruz

2,10

29.995

14.283

14.207

2,11

Parada de Lucas

2,20

22.069

10.0,31

11.229

1,97

Parque Anchieta

3,92

21.833

5.570

10.084

2,17

Parque Columbia

1,52

8.222

5.409

3.580

2,30

Pavuna

8,33

95.337

11.445

40.928

2,33

Penha

5,83

58.516

10.037

27.538

2,12

Penha Circular

4,64

36.725

7.915

18.238

2,01

Ramos

2,80

34.453

12.305

16.107

2,14

Ricardo de Albuquerque

2,12

27.704

13.068

11.134

2,49

Rocha Miranda

2,89

36.360

12.581

17.188

2,12

 Turiacu

1,26

11.613

9.217

5.539

2,10

Vaz Lobo

1,10

10.995

9.995

5.597

1,96

Vicente Carvalho

1,84

21.300

11.576

9.996

2,13

Viqário Geral

3,40

34.202

10.059

15.763

2,17

Vila da Penha

1,44

21.950

15.243

10.614

2,07

Vila Kosmos

1,52

14.878

9.788

6.517

2,28

Vila Valqueire

4,24

34.024

80,25

16.033

2,12

Vista Alegre

0,52

7.059

135,75

3.239

2,18

Parte de Cascadura

0,95

8.965

94,37

4.614

1,94

Parte de Maré

0,75

14.617

194,89

12.853

1,14




REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS DA BIBLIOTECAS FÍSICA E DIGITAL DO AUTOR

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O SERTÃO DA PENHA NO SÉCULO XVII

  Ronaldo Luiz Martins A PENHA                 Quarto macro núcleo do desenvolvimento ocupacional pós indígenas da Baixada de Irajá, seguint...